Depoimento: Eu tive Diabulimia (Distúrbio alimentar em diabéticos que deixam de tomar insulina ou diminuem as suas doses, com o objetivo de emagrecer).
Dois meses depois de diagnosticada comecei a comer exageradamente e, para compensar os abusos alimentares, tomava insulina para compensar.
Fazia isso sempre escondida das pessoas, pois àquela época, o tratamento do diabetes resumia-se a 2 doses de NPH diárias. O uso de insulina Regular era exporádico e feito apenas para corrigir glicemias muito acima do normal.
À época não havia insulinas lispro, aspart, glargina e outras tantas, tampouco contagem de carboidratos e tratamento com doses múltiplas de insulina.
Não demorou para que eu engordasse. Com 1,53 cheguei a 69.9 kg . Seis meses depois de diagnosticado o diabetes, lembrei do quanto havia
emagrecido antes de descobrir a diabetes.
Decidi, desta maneira, abandonar, temporariamente, as doses de insulina para emagrecer (sem deixar de comer qualquer coisa). Depois, voltaria a tomá-las.
Doce, ou melhor, amargo engano.
Emagreci, mas não consegui parar com o comportamento alimentar errado. Até tentava. Mas um simples erro na alimentação, uma simples hipoglicemia que exigisse a ingestão de alimentos açucarados deixavam-me completamente apavorada com a idéia de engordar.
E, mais uma vez, abandonava ou diminuía as doses necessárias de insulina. Era tentador poder comer a vontade e estar sempre magra, mas também assustador. Por infinitas vezes chorei ao deitar, com medo do futuro, desesperada com as conseqüências que chegariam se eu não mudasse de comportamento.
O problema maior é que tal comportamento afetava toda minha vida: estudos, namoros, amizades, projetos. Tinha dificuldade em perseverar nas coisas, pois aquela que deveria ser a tarefa mais simples (cuidar de mim) parecia impossível. Imagine então as demais. Tornei-me uma menina muito brava, estressada, teimosa, deprimida e com a auto-estima extremamente baixa. Nas épocas em que conseguia cuidar do diabetes, comia exageradamente e acabava engordando. Não demorava muito tempo para abandonar as doses de insulina (sem deixar de me alimentar exageradamente) para emagrecer.
Busquei os mais diferentes médicos, mas nunca, quaisquer deles falaram especificamente sobre o que eu passava. Limitavam-se a me dizer que eu deveria ter força de vontade e que se eu continuasse a fazer o que fazia, iria me arrepender. Depois de tal discurso buscavam me tratar da mesma forma como eram tratados os demais pacientes. Nunca ouvia falar que alguém agia igual a mim, então imaginava ser a única pessoa do universo a passar pelo que passava.
Foram anos de psicoterapia, mas nada de melhorar naquilo que mais necessitava…cuidar de meu diabetes.
Em 2000, ou seja, 12,5 anos após a descoberta do meu diabetes tive a grande felicidade de participar de um grupo de jovens com diabetes da ADJ-SP. Minha vida a partir de então começou a mudar. Nesse encontro tive a oportunidade de conhecer uma menina (F) que, abertamente, falou pelo que passava. Juro que pensei ser eu falando. As mesmas dificuldades, o abandono da insulina para ficar magra e a profunda tristeza por fazer isso. Fiquei paralisada, emocionada. Descobri que eu não era a única pessoa do mundo. Pela primeira vez falei abertamente e, sem vergonha, sobre as coisas que eu fazia. Aquilo foi uma grande libertação.
Não bastasse isso, acabei conhecendo, neste mesmo acampamento, um rapaz também com diabetes com que namorei e me casei. Desde o começo ele soube das minhas dificuldades e foi, ao mesmo tempo, firme, exigente e carinhoso comigo.
Futuramente conheci (N), que também tinha o mesmo problema. A abertura sobre mim, a ajuda diária de uma pessoa da família (marido), além de trabalhos nos quais passei a me envolver para auxiliar pessoas com diabetes (tais trabalhos contaram sempre com o apoio e auxílio da Farmácia da Sete – que é uma farmácia especializada em diabetes na minha cidade) foram fundamentais para que a diabulimia fosse embora.
Hoje cuido de meu diabetes com tranquilidade, alimento-me normalmente e nunca mais engordei. Minhas hemoglobinas glicadas no ano de 2010 foram todas inferiores a 7 (antes de 2000 muitas delas foram superiores a 15). O casamento acabou, mas isto em nada afetou meu controle e cuidados com o diabetes.
Em 2009 é que soube que o problema que eu tinha se chamava diabulimia (aliás, soube também que ela somente foi reconhecida como transtorno alimentar em 2006). Resolvi pesquisar e percebi que a Joslin, trata de tal situação como um problema grave. Ao ler sobre isso, chorei durante horas. Soube, então, que não éramos somente Eu, F e N, mas nós e muitas outras meninas e mulheres (de diferentes locais do mundo que sofrem ou sofreram com isso) e de como tal problema precisa de um tratamento especial. Com todo respeito aos infinitos psicoterapeutas, mas a diabulimia não se trata apenas em um divã ou em conversas em uma cadeira (e olha que sou formada em psicologia).
O acompanhamento médico é essencial, mas não suficiente. É fundamental uma mistura integrada de tratamento médico, auxílio familiar (a família deve ser educada e ensinada a lidar com pessoas com diabulimia), convivência e trabalhos na área de diabetes, troca de experiências e, se possível, convivência com uma pessoa que já passou pelo problema e o superou.
Caso você seja uma pessoa com diabetes que passa pelo que eu passei, saiba que o quanto antes você procurar por ajuda, mais rapidamente será possível sair desse problema (e, preferencialmente, antes que as complicações apareçam). Assim, deixo meu email para que entre em contato comigo, caso tenha vontade ludottis@hotmail.com
Um grande abraço e boa sorte.
2 Comentários
Pingback: Dia, Anna & Mia | Ponto de vista adolescente
Pingback: Tweets that mention Diabulimia – Você sabe o que é isso? – Farmácia especializada em diabetes -- Topsy.com