Ter um segundo filho é ter uma segunda chance de rever um filme milhares de vezes.
Todos os filmes que minha primogênita olhou quando era uma garotinha, agora encantam meu caçula. E ele olha, e olha, muitas e muitas vezes durante a semana.
Essa repetição é muito importante para a criança. Primeiro, um filme ou história tem muita informação para ser captada de uma só vez. Diferente de nós adultos, a criança pequena absorve a informação aos poucos, em blocos. Capta uma parte, depois outra. Por isso, repetir é de extrema importância e necessário para os pequenos. Segundo, a criança quer repetir, também, pelo simples prazer que aquelas imagens, falas e músicas despertaram nela.
Pois bem, lá em casa repetidas vezes olhamos o filme Procurando Nemo, da Disney/Pixar. Esse é um filme infantil que conta a história da separação inevitável, e necessária, que um dia os pais enfrentarão ao “perderem” seus filhos nos “mares” da vida. Crescer é necessário e dolorido.
O mais interessante de ver nesse conto de fadas moderno, além da história de como o peixinho Nemo cresce ao se separar do peixe pai por um tempo, é notar o quanto esse pai também se modifica com esse distanciamento. Muitas das mudanças de Marlin, o pai, ocorrem na companhia de Dori. Mas de coadjuvante Dori não tem nada. Nessa jornada de perdas e reencontros, ela se torna uma figura decisiva e fundamental.
Mas o que faz de Dori tão importante? De início ela já se mostra SOLIDÁRIA com Marlin, um desconhecido para ela até então. Disposta a ajudá-lo a reencontrar o pequeno Nemo, Dori decide embarcar nessa busca sem muitas perspectivas e certezas. O engraçado é que esse encontro ocorre numa cena em que muitos peixes passam indiferentes por Marlin, que está transtornado com a perda do filho. Mas Dori não consegue ignorar Marlin, ela prontamente vira sua nova companheira e amiga.
Mais adiante, Dori ao encontrar alguns tubarões, mostra-se cheia de BOA-FÉ. Ela acredita que eles não irão devorá-los. Aliás, essa ideia nem passa pela sua cabeça. Já Marlin é só desconfiança. Mas é a partir desse arriscar-se de Dori que eles encontram a máscara de mergulho com o endereço do mergulhador que levou Nemo.
Como se não bastasse, Dori e Marlin perdem a máscara numa fenda escura e profunda – os filmes infantis também são cheios de suspense, eu diria até, oscilando entre drama e terror. No primeiro impulso Marlin vai atrás da máscara, mas desiste com medo da escuridão. Dori, ao contrário, segue em frente, destemida, CORAJOSA. Nesse momento ela diz para Marlin: “Se a vida te decepciona, continue a nadar, continue a nadar…” Marlin, então, corre atrás de Dori. Como deixa-lá sozinha? Ela se arriscando por Nemo, e ele com medo?
Em outros percalços do trajeto, Dori mostra-se cheia de ESPERANÇA. Ela tem certeza que vão encontrar Nemo. Parece que ela reafirma isso para Marlin a cada bater de nadadeiras. Não se deixa fraquejar. Mesmo quando ficam presos dentro de uma baleia ela persevera. Nessa cena, Marlin muito abatido confessa à Dori que prometeu ao filho que nada ia acontecer a ele. Ao que Dori responde: “Que estranho prometer que nada vai acontecer.” Aqui Dori mostra toda sua SABEDORIA – impossível prometer isso a um filho.
Outra característica de Dori é ser extremamente COMUNICATIVA. Ela interage com todos que estão a sua volta. Isso até pode lhe colocar em perigo algumas vezes, mas Dori não consegue ser diferente. Ela precisa ajudar Marlin, e para isso se esforça ao máximo.
Mas a principal lição de Dori é ser completamente ESQUECIDA. Ela sofre de perda de memória recente, o que faz a amiga de Marlin passar o trajeto inteiro tendo lapsos e esquecimentos. Mas como isso pode ser uma lição? Ora, certamente a memória falha de Dori a faça esquecer que os tubarões são perigosos, que o escuro é assustador, que mães d´agua podem queimar, que atravessar um oceano é arriscado demais. Dori encara tudo isso porque esquece. E esquecer pode ser bom às vezes. Esquecendo lembramos de ajudar, de acreditar, de ter coragem, de pensar. Atolados por medos, como Marlin, dificilmente conseguiremos nos arriscar. Esquecendo, ou ignorando o perigo e nossos anseios, talvez possamos seguir em frente. Nem que seja por alguns momentos.
Na verdade acredito que Dori sabe dos riscos que corre. Sabe dos percalços inerentes a toda busca, mas mesmo assim “continua a nadar, continua a nadar, nadar, nadar….”
Simone Del Fabbro Vollbrecht
Psicóloga e Educadora em Diabetes
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Linda e completa reflexão!
Gostei demais da reflexão...Verdadeira lição de vida...